by - 28 fevereiro



"O IDOSO MISTERIOSO" - PARTE 1/4

O idoso de cabelo muito branco, que lembrava a bonita neve que pinta o topo da Serra da Estrela no Inverno, estava novamente sentado naquele banco de jardim.
Desde que eu e a minha pequena família nos mudámos para aquele bairro, há cerca de dois meses e meio, que o vejo sentado naquele exacto banco ao final da tarde. Era um local estratégico porque se encontrava no meio de dois pinheiros bravos que lhe conferiam uma sombra agradável em dias como aquele, de final de Verão. Sou casado há três anos e tenho uma pequena filha de dois. Eu e a minha esposa costumamos trazê-la ao parque para nos divertirmos um pouco e passar tempo em família. Temos a sorte de ter um emprego cujo horário nos permite conseguir sair cedo para irmos buscar a nossa filhota à creche a fim de passarmos tempo de qualidade com ela. Mas não é isso que importa agora. Não é isso que me está a inquietar.
Volto a olhar para o idoso sentado no banco de jardim a olhar para o parque. Para nós.
Aquele homem intrigou-me desde a primeira vez que o vi. E porquê? É muito simples. Seja no banco de jardim entre os dois pinheiros, ou a caminhar sabe-se lá para onde na sua passada lenta, o idoso emanava sempre um ar de felicidade e tranquilidade impressionantes. Sim, era isso mesmo. O idoso estava sempre sozinho, mas parecia o homem mais feliz do bairro. Isso não era normal. Ou pelo menos era algo cada vez mais raro.
Eu e a minha esposa costumamos levar a nossa filhota para o parque ao final da tarde, depois de sairmos do trabalho. Gostamos de passar tempo com ela, de a ver correr aos saltinhos enquanto vai de estação em estação do parque, que tem vários dispositivos lúdicos para as crianças se entreterem. Não somos os únicos. São várias as famílias que aproveitam os finais de tarde quentinhos do Verão para se divertirem com as respectivas crianças.
Alguns desses pais são meus vizinhos e costumo cumprimentá-los com um aceno de cabeça e um sorriso. Eles retribuem de igual forma e, retirando as vezes em que a minha filha se mete com as crianças dos outros, é raro falar com eles. Não sou muito de socializar, prefiro focar a minha atenção na minha filha.
E no idoso também.
Ele estava novamente sentado naquele banco de jardim, a uns vinte metros do parque. A emanar, claro, uma felicidade tremenda. Teria ganho o Euromilhões recentemente e guardou essa informação para si? Teria sido avô, ou bisavô, e estava deliciado pelo que a sua família lhe dera?
O idoso intrigava-me. Mesmo. Já devem ter percebido isso.
Naquele momento, a poucos minutos da hora de jantar, começou a lançar milho para o chão. Uns segundos depois, cerca de uma dezena de pombos cinzentos acercaram-se do homem e debicaram o chão em seu redor, à procura do alimento. Pela reacção rápida com que os pequenos animais voadores surgiram, diria que se tratava de algo rotineiro.
Há quanto tempo estaria aquele idoso a frequentar aquele banco de jardim entre os dois pinheiros, a vinte metros do parque infantil?
A minha atenção foi desviada pela minha mulher, que me pediu para filmá-la a empurrar o baloiço com a nossa filha. Com muito gosto, levantei-me do meu banco e aproximei-me do baloiço, de telemóvel em riste e pronto a filmar. Ver o sorriso da minha filha era o que me aquecia o coração. A emoção de andar de baloiço abria-lhe o rosto de felicidade e levava-a a rir de forma atabalhoada como as crianças costumam fazer. Ela ainda não falava coerentemente, pelo que se limitava a emitir monossílabos para expressar a sua excitação.
No entanto, enquanto filmava as duas mulheres da minha vida, o meu olhar desviou-se novamente para o idoso. Aquele era um sorriso completamente diferente da minha filha. Era de uma tranquilidade absolutamente hipnótica. Era algo que dava vontade de sentir também. Vi-me, na verdade, a pensar isso mesmo.
Queria sentir o que aquele idoso aparentemente estava a sentir. Não sabia explicar. Era algo instintivo, não tinha lógica nenhuma. Não conhecia o idoso de lado algum, não fazia ideia de quem ele era ou quem fora. Mas aquela felicidade específica era algo apetecível. Era algo diferente do que o que eu vira até então.
Uma semana depois, quando um dos meus vizinhos que também frequentava o parque com os seus filhos se colocou ao meu lado a apreciar a brincadeira deles, tive coragem de finalmente meter conversa.
- Quem é aquele senhor ali ao fundo? – Perguntei, depois das formalidades iniciais de contarmos um ao outro a idade dos nossos filhos, as suas manias e traquinices e os problemas que tínhamos para os educar. Enfim, a conversa que todos os pais têm quando têm filhos pequenos.
- Quem, aquele lá ao fundo?
- Sim, o que está sentado no banco entre os dois pinheiros. Desde que me mudei para cá que o vejo sempre ali sentado. Ou está a ler, ou a dar milho aos pombos, ou simplesmente a olhar para ontem.
O meu vizinho, um homem já com barriga de cerveja bem desenvolvida, sorriu e acenou em sinal de compreensão.
- Está descansado que ele não é nenhum pervertido. É completamente inofensivo, não faz mal a ninguém, muito menos às crianças. Pelo menos até agora nunca aconteceu nada de mal.
Fiquei, por momentos, sem reacção. Nem me tinha passado pela cabeça que aquele homem com um ar tão simpático, tão feliz, pudesse ser um predador sexual. Não, era óbvio que ele não o era.
- Nem me passou pela cabeça tal coisa.
O vizinho sorriu.
- Eu já cá moro há vários anos e sei que, por vezes, alguns pais que vêm para cá ficam um pouco constrangidos quando se apercebem que ele está sempre ali, a observar as crianças. Percebo que sintas o mesmo.
Seria o único a ver a forma como o olhar dele não se limitava a olhar para o parque, mas que parecia olhar para muito mais longe, para anos-luz daquele local? Seria o único a ver que o sorriso do idoso não era por estar a apreciar crianças ou a sua felicidade, mas era algo que provinha do seu interior? Estaria eu a ver mal? Como podiam os meus vizinhos olhar para o idoso e pensar sequer em coisa obscenas, quando ele parecia um homem genuíno e humilde?
- Sabes quem ele é? Como se chama, que idade tem?
- Sei que tem mais de oitenta anos. Nunca falei com ele. Também não gosto muito do ar dele, para ser honesto. Mas nunca achei que fosse necessário repreendê-lo por vir cá todos os dias. Nunca fez nada além de estar naquele banco.
- Mas ele sai do banco, certo? Ele não fica ali o dia todo, ou fica?
- Não. De manhã vai tomar o pequeno-almoço ao café e depois vai para o cemitério. Há quem diga que ele fica lá o dia todo e que depois vem para aqui a meio da tarde e só sai de noite, para jantar em casa e dormir.
A minha curiosidade aumentou ainda mais depois desta conversa com o meu vizinho. Ninguém o parecia ver como eu o via. Ao jantar, perguntei à minha esposa o que achava do idoso.

Continua...

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4 comentários

  1. A esposa e a filha não têm nome???
    Curiosidade!

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    1. Prefiro não colocar nomes por se tratar de uma história curta. Não é relevante para o desenrolar da acção por também haver poucas personagens.

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  2. Ok. Estamos bem para começo, embora eu mudasse algumas coisas na narrativa, mas como aqui sou uma mera leitora, avancemos que agora vou começar a pensar qual segredo provoca esse ar de felicidade no idoso...

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    1. Por curiosidade, mudaria que partes? Estou sempre interessado em ouvir feedback e outras perspectivas, visto que estes contos servem, também, para exercitar a mente a nível de imaginação.

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