by - 07 agosto



"A DENÚNCIA" - PARTE 2/6
O rapaz foi dar um beijo à mãe e notou-lhe uma tensão estranha no rosto e no seu abraço. Ao ouvir vozes vindas da sala, vozes graves e animadas, percebeu o estranho cenário.
Acanhado e sem saber o que fazer perante esta ruptura no protocolo da família, o rapaz espreitou para dentro da sala. No sofá puído encontrava-se o seu pai, de cerveja na mão e cigarro no canto do lábio, a conversar de forma animada com outro homem com uma fisionomia semelhante. Barrigudo, peludo, com falta de cabelo e a tresandar a álcool e tabaco. Provavelmente frequentava o mesmo bar que o pai todas as noites.
Mas por que razão teriam ido a casa deles naquele dia?
O pai, apercebendo-se da presença tímida do filho, chamou-o de forma animada, como se parecesse feliz por o ver.
Sem tirar o cigarro da boca e a cerveja da mão, obrigou o rapaz a cumprimentá-lo. O segundo beijo por pouco não lhe provocou uma queimadura de cigarro.
Deu um aperto de mão ao amigo do pai, sentindo-a cheia de calos e com a pele bem áspera. O pai berrou imediatamente com o rapaz, assustando-o, para que se fosse embora e fosse fazer a merda dos trabalhos de casa que de nada lhe iriam valer no futuro.
Irritado, o rapaz saiu da sala. Mas não foi fazer os trabalhos de casa. Naquele dia não tinha nada para fazer. Quis ajudar a mãe a fazer o jantar, mas ela, carinhosamente, disse-lhe que não era preciso, que devia aproveitar para ir brincar.
O rapaz ainda insistiu um pouco, mas acabou por aceder à sugestão da mãe e foi para o seu quarto. No entanto, no caminho, ouviu o seu pai falar num murmúrio. Pelo tom baixo com que ele falara, o rapaz percebeu que o pai falava de algo que era suposto mais ninguém ouvir. O que ele não sabia, por ser um pai tão ausente, era que o rapaz tinha uma audição muito apurada. Conseguiu captar o que o pai dissera ao amigo.
Tinha algo que ver com um trabalho, se o amigo achava que o trabalho era fácil e se eles o fariam com sucesso.
Ora, o seu pai não tinha emprego há mais de ano e meio. Portanto, algo de muito errado se passava. Aproximou-se da entrada da sala mas ficou do lado de fora. Atento.
- É como te digo, ela hoje está ausente porque a filha tem treino de futebol.
- Futebol? Uma gaja com treinos de futebol? Foda-se, onde já se viu isto? As gajas não têm jeitinho nenhum para futebol. Futebol é para homens!
- Concordo contigo, pá. Mas ela pensa que sabe jogar, ah ah ah! E o importante é que leva os pais com ela, deixando a mansão sem ninguém.
- Bom, ao menos isso, caralho! Temos de ir já para lá. O Rodas está pronto?
O rapaz odiava ouvir o seu pai falar. Não só falava mal como também era o cúmulo do machismo. Por vezes, não acreditava que ele era mesmo o seu pai.
- Combinei com ele no bar para daqui a meia hora.
- Tens noção que temos aqui uma oportunidade gigante?
- Então não sei, porra? Se roubarmos as coisas certas, podemos ganhar uma pequena fortuna!
- É bom que resulte. Já ando de olho nesses cabrões ricos desde que a minha mulher falou deles na primeira reunião de pais este ano. Acho que é uma colega nova do meu puto. Mudou de escola no quarto ano. É estranho, mas em boa hora o fez! O meu subsídio de desemprego não dá para tanto tabaco como eu queria.
- Vamos tirar tudo a esses ricaços. Vai ser lindo, foda-se!
O rapaz ficou boquiaberto com as implicações do que ouvia.

Continua...

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7 comentários

  1. Acho certas expressões demasiado 'grosseiras' para serem inseridas. Porém são reais e infelizmente, muito normais na boca dos nossos adolescentes de hoje.

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    1. Dos adolescentes e dos graúdos. Infelizmente, assim é.

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    2. Quando vejo/ouço pais quando vão à escola e falam dessa forma ...como não podem os filhos dizer?
      Os graúdos são muitas vezes piores qur os adolescentes

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  2. História que retrata a realidade, infelizmente.
    Estou a gostar imenso!

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  3. Dá vontade de ler mais e mais.
    Parabéns...apesar de ser uma triste realidade.

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