by - 08 agosto




"A DENÚNCIA" - PARTE 3/6
O rapaz não podia escutar mais. Uma colega nova da sua turma este ano? Só havia uma, mas o rapaz não sabia que ela era rica. Era verdade que tinha sempre todo o material escolar de boa ou alta qualidade, com marcas que ele nem conseguia dizer correctamente. O seu coração bateu com muita força. O seu pai e uns amigos iam assaltar a casa da sua colega? Logo ela que, apesar do elevado status da sua família, sempre fora tão bondosa para ele? Para o rapaz, ela era a sua princesa. Era bonita, sabia responder a muitas perguntas de matemática e estudo do meio e ajudava-o sempre que podia.
O rapaz lembrou-se de como se conheceram.
Foi em Setembro, no início do ano lectivo. O rapaz sentava-se sempre no fundo da sala com outro miúdo. Ela foi apresentada pela professora no primeiro dia. A princesa estava com um olhar tímido, típico daquela tenra idade e do facto de se ter mudado para uma turma completamente nova. Acabou por se sentar na mesa ao lado da sua, perto de si. Apenas o corredor os separava.
Assim que a princesa se sentou, admirou os seus cabelos longos e olhos grandes e apressou-se a apresentar-se, dizendo o seu nome e informando que aquela turma era óptima para que ela se integrasse rapidamente. Era tudo malta porreira.
A princesa gostou do gesto e ofereceu-lhe o sorriso mais lindo que ele alguma vira. «Como ela é bonita!», pensava sempre que a via. Era daqueles rostos que levavam os rapazes a tomar atitudes estúpidas ou muito românticas e arrojadas, se é que nesta idade se pode ser romântico como deve ser. Dez anos de idade ainda não se sabe nada de amor.
O rapaz, no primeiro intervalo daquele dia escolar, saiu a correr para um jardim próximo do campo de futebol onde costumava jogar à bola e arrancou uma flor amarela, muito bonita. Ofereceu-lha timidamente. A princesa ficou surpreendida e sorriu, mostrando os seus dentes perfeitinhos. Ela aceitou e colocou-a atrás da orelha, o botão da flor a espreitar por cima desta.
Desde então, o rapaz e a princesa falaram muito, mesmo quando ela se rodeava de meninas. Gostavam muito de falar um com o outro, embora ele também fosse jogar à bola no recreio. A princesa era bonita, mas jogar à bola era jogar à bola. No entanto, para sua grande surpresa, após dois ou três dias de ambientação, a princesa foi jogar futebol com eles. E que bem ela jogava! Muitos dos rapazes ficaram embaraçados por serem driblados por ela com facilidade. O rapaz não a podia admirar mais. Era, de facto, uma menina muito especial.
Quando ela fez anos, alguns meses depois, a turma foi convidada. O rapaz compareceu, sem presente. Era-lhe impossível comprar o que quer que fosse. Estava um pouco triste por ver que ela recebera tantas bonecas e que ele, pobre como era, nem dinheiro para uma pastilha podia gastar. Percebeu, claro, que a moradia onde a princesa vivia era realmente grande e muito bem cuidada e que a família tinha outro nível de vida, mas nunca desconfiou que fosse tão rica ao ponto do pai a querer assaltar. Quem repara nisso com dez anos? O rapaz nunca se esquecera da tristeza que sentira ao chegar à festa dela sem nenhuma prenda. Nunca pensara que se fosse sentir assim por não ter tantas posses como os colegas. Mas a verdade é que sentira bem dentro de si que ficara em falta para com a princesa. E iria compensá-la, desse por onde desse.

Continua...

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