by - 10 agosto




"A DENÚNCIA" - PARTE 5/6
O rapaz ficou furioso. Isto não podia continuar assim. Tinha de fazer alguma coisa. Não por si, mas pela sua mãe. Ninguém tinha o direito de a tratar assim.
Quando sentiu o cinto novamente contra o seu corpo, voltou a gritar de dor e a chorar. Mas que poderia ele fazer? Se fosse fazer queixa à polícia, eles provavelmente não ligariam e o mais certo era depois ter de enfrentar a fúria do pai a triplicar ou quadruplicar. A dor era tanta que só se apercebeu que o pai saíra entretanto pelo toque suave da sua mãe. Ensanguentado, o rapaz assustou-se. Chorava imenso, tal como a sua mãe. Ela tinha a cara vermelha, com o desenho da mão do pai no rosto. O olho direito estava a ficar negro.
- Desculpa, filho. Desculpa o teu pai… Sabes que é da bebida… Ele ama-te, só que o raio da bebida transforma-o.
O rapaz tentou ignorar a dor para reagir.
- Mãe, não é a primeira vez que ele nos maltrata. Ele nunca vai mudar, ele nunca vai deixar de beber todos os dias nem de se ganzar com os amigos todas as noites! Não podemos continuar a viver assim!
- Eu vou falar com ele amanhã, vou tentar convencê-lo…
- Não, mãe! Isto tem de acabar. Temos de ir à polícia!
A mãe ficou assustada com a proposta do filho.
- Tu és apenas uma criança, não sabes nada da vida. Só tens dez anos e estás a falar de cabeça quente.
- Sei que não é suposto vivermos uma vida de terror. – Engoliu em seco. – E ele vai assaltar a casa de uma amiga minha hoje, mãe. Temos que o evitar.
- É melhor não nos metermos nisto, filho. Por favor… se o teu pai sabe, nunca mais vamos ter paz…
O ar de desespero da mãe, aquela áurea de submissão e rendição, deixaram-no sem palavras. Fê-lo pensar nas vezes que ela não teria sofrido pelas mãos do pai, do marido que se casara com ela e jurara amor eterno. Como poderia um homem chegar àquele ponto? Como poderia a bebida, as drogas e o tabaco alterar tanto uma pessoa ao ponto de odiar e maltratar a mulher por quem se apaixonara e dissera o «sim» em frente a um padre? Como podia um homem maltratar o seu próprio filho, quando este ainda era apenas uma criança inocente? Como podiam passar do amor ao ódio? Do carinho à estalada? Das caricias às chicotadas? Dos beijos aos socos?
O rapaz não se podia resignar. Não podia ser. Tinha de agir.
Esquecendo as dores no seu corpo, passou álcool e betadine pelas feridas, que lhe valeu mais uns quantos gritos, e limpou o sangue. Nada importava agora. Ia tomar uma atitude e era já.
A sua mãe deixou-o ir em lágrimas, aflita pelo filho. Sabia que aquilo nunca iria correr bem.
O rapaz coxeava em direcção à esquadra da sua zona. Chegou em vinte minutos e foi recebido por um agente. Enchendo-se de coragem, contou tudo ao Polícia, desde os maltratos à sua mãe, a si próprio, dos quais tinha provas frescas no seu corpo, e acabou falando do assalto que o pai e uns amigos tencionavam executar naquele final de dia.
O agente ficou surpreendido com a história e decidiu agir em conformidade. Foi conferenciar com outro colega e partiram em busca do seu pai. Iriam imediatamente ao bar que ele frequentava. Ia ficar tudo bem, prometeu o agente. Iam trazê-lo à esquadra e abrir o processo por violência doméstica. O rapaz ficou com o coração mais sossegado e, sabendo que tomara a atitude certa, ficou com outro agente que foi iniciando o processo de queixa. Respondeu a tudo o que o agente perguntou, todos os detalhes, foram tiradas fotografias das suas lesões e preenchidos todos os parâmetros do processo. Terminada esta fase, o agente recomendou que a sua mãe comparecesse na esquadra para complementar a queixa. O rapaz disse que seria mais difícil, mas que ia falar com ela e que a iria convencer.
Certo de que, desta vez, o seu pai iria pagar por tudo o que fizera, o rapaz saiu a coxear da esquadra, rejeitando a boleia do agente. Decidiu passar pela casa da princesa. Caminhava com dificuldade, as feridas abertas a roçarem a cada passo.
Quando lá chegou, sentiu um frio no estômago.
Um carro da PSP estava parado à porta da casa da princesa. O rapaz tentou correr até chegar ao agente. Este reconheceu-o da conversa na esquadra uma hora e tal antes e comentou que o pai dele não tinha sido visto no bar e que, por isso, decidiram averiguar ao pé da casa que planeavam assaltar. O rapaz sentiu pânico. O paradeiro do pai era desconhecido. 


Continua...

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1 comentários

  1. Ao ler parece que estamos a vivenciar... estou a gostar apesar de ser triste

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