by - 09 agosto





"A DENÚNCIA" - PARTE 4/6
O rapaz, desde então, jurara que ia juntar dinheiro para comprar um presente bonito para a princesa. Não podia roubar aos pais. Nem pensar. Com o temperamento do pai, nem sabia o que lhe podia acontecer. Por isso, ia juntando todas as moedas pretas que encontrava no chão. De vez em quando lá aparecia uma amarelinha de dez ou vinte cêntimos. Mas ainda estava longe do objectivo. O que lhe valia é que a princesa não se importava com isso e continuou a ser sua amiga todo este tempo.
Não era de admirar, por isso, que o rapaz tivesse ficado em pânico quando ouviu o seu pai programar um assalto à casa da princesa. Tinha de a avisar. Mas como? Ele não podia sair de casa sem levantar suspeitas. Correu para o seu quarto e foi contar o dinheiro que tinha guardado até então.
Muitas moedas pretas em mau estado preencheram a sua cama assim que abriu o saco de plástico onde o guardava. Contou rapidamente, ou o mais rápido que os nervos lhe permitiram.
Tinha apenas três euros e cinquenta e sete cêntimos. Teria de usar aquela quantia para chegar a casa da sua colega antes que ela e os pais fossem para o treino de futebol. Ainda tinha uma hora. Dava perfeitamente. A pé demoraria mais de meia hora, mas se apanhasse um táxi seriam cinco minutos. Seria aquela quantia suficiente para a viagem? Ele não queria saber. Voltou a guardar as moedas no pequeno saco.
Virou-se para sair do quarto enquanto acondicionava o saco de plástico com as moedas no bolso das calças. No entanto, os seus olhos depararam-se com o seu pai prostrado à porta do seu quarto, de olhar inquisitivo. Com a sua voz grossa pelos anos de fumador, perguntou o que estava o rapaz a fazer e o que era aquilo no seu bolso. O rapaz sabia que ia ter graves problemas se o pai visse o dinheiro.
Engasgado, tentou arranjar uma desculpa plausível.
- Isto é só lixo, vou agora lá fora…
- Fazer o quê, puto?
- Vou brincar com os miúdos da rua…
- Mas desde quando é que tens amigos?
- Eles são meus amigos, pai. Costumamos brincar à apanhada e às escondidas ali no jardim grande.
Encolheu-se quando viu o pai aproximar-se. Com brusquidão, o pai pegou no saco de plástico e tirou-o do bolso do rapaz. Quando sentiu o seu peso e percebeu que se tratava de dinheiro, ainda que essencialmente moedas pretas, ergueu as sobrancelhas de espanto, para depois as cerrar de fúria.
- Tu… tu andas a esconder dinheiro do teu pai? Andas a roubar-me, puto? Olha que levas já no focinho, caralho!
O rapaz começou a chorar perante os gritos do pai que se desenrolaram nos minutos seguintes, em que reclamava da má condição financeira em que estavam, que tinham de aproveitar todo o dinheiro para sobreviver e agora estava aquele puto ingrato a roubar dinheiro aos pais. O rapaz tentou explicar que era dinheiro que encontrava no chão, que nunca roubara nada, mas o pai gritou ainda mais alto afirmando que não queria saber e que tinha de lhe aplicar um correctivo para que ele nunca mais escondesse dinheiro do pai.
O rapaz engoliu em seco e começou a tremer. Sabia o que vinha aí.
E a mãe também.
Enquanto o pai tirava o cinto das calças e enrolava a ponta na sua mão direita, a mãe do rapaz apareceu à porta. Assustada pelos gritos e pelo que sabia que viria a seguir, implorou para que o marido não fizesse isso, que ele era apenas um rapaz e que não fazia nada por mal.
Com um «podes crer que agora não há-de fazer nada de mal», avançou para o rapaz, que se encolheu e caiu em cima da cama em posição fetal. A mãe gritou ao ver o marido puxar do cinto atrás e desferir um golpe com toda a força nas pernas do rapaz, que explodiu de dores e não conteve os gritos. Os gritos de sofrimento agudos apenas enervaram ainda mais o pai alcoolizado. Na segunda chibatada, os seus braços foram castigados. Com a terceira, só não acertou na cabeça porque o rapaz protegeu-a com os membros superiores, que ficaram a sangrar. Nova chibatada nas pernas e a pele rasgou-se em alguns pontos, começando a escorrer sangue.
A mãe do rapaz chorava de pânico e decidiu tirar o cinto ao marido. Apesar de bêbado, ele conseguiu dominá-la e acabou por lhe dar uma bofetada que a atirou ao chão. Com brusquidão, levantou-a pelos braços e empurrou-a para fora do quarto, atirando-a novamente para o chão, em lágrimas.

Continua...

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