"A DENÚNCIA" - PARTE 1/6
O rapaz coxeava em direcção a uma esquadra. Estava decidido a tomar uma atitude. Podia ser apenas uma criança, mas a vida esculpira a sua mente como a de um adulto.
O rapaz coxeava em direcção a uma esquadra. Estava decidido a tomar uma atitude. Podia ser apenas uma criança, mas a vida esculpira a sua mente como a de um adulto.
O
rapaz vinha de uma família muito pobre.
A
mãe tinha apenas um trabalho em part-time a limpar escadas de cinco ou seis
prédios, ele não sabia dizer ao certo. Variava ao longo do tempo. Tantas vezes
o número alterava que ele acabara por fazer uma média. Cinco ou seis prédios.
Umas vezes o part-time transformava-se
em full-time quando arranjava mais
escadas para limpar. O pai era um homem fracassado, mais virado para o álcool
do que para outra coisa qualquer. O rapaz nem se lembrava da última vez que o
pai lhe falara. Passava os dias de olhar vidrado para a televisão ou, caso não
houvesse nada de interessante, a olhar para a janela, para a rua. Parecia ter
mais interesse em ver as outras pessoas a viverem as suas vidas do que em viver
a sua, do que em acompanhar o filho e ajudá-lo a fazer o seu caminho.
De
noite, era como se o rapaz fosse órfão de pai. O rapaz chegava da escola primária,
onde frequentava o último ano, duas horas antes do jantar, mas apenas a sua mãe
se encontrava em casa a tentar inventar um jantar com o pouco que tinham. O
rapaz gostava da sua mãe. Apesar da vida de pobre que levavam, via que ela se
esforçava por ter alguma dignidade na pobreza e tentava a todo o custo que o
filho tivesse a educação suficiente para conseguir ter mais sorte na vida do
que eles.
O
rapaz chegava ao seu lar, dava um beijo à mãe e ia fazer os trabalhos de casa
utilizando lápis e canetas que pedia emprestado aos colegas, mas que depois
acabavam por ficar no esquecimento e ficavam seus. Todas as manhas eram
bem-vindas. Normalmente, comia uma sopa aguada e alguma fruta. Era usual ter
dores de barriga. A mãe comprava os produtos que estavam sempre com desconto
por estarem praticamente fora do prazo de validade. Só assim conseguiam ter os
mantimentos suficientes.
Quantas
vezes não faltara o rapaz à escola por estar de diarreia ou muito maldisposto?
Houve
uma fase, no terceiro ano de escolaridade, que os colegas o trataram por o
Diarreias, resultado de três crises num espaço de um mês, onde se incluía um
despejo em plena aula de educação física durante um exercício mais puxado de
salto de cavalo. Fora uma vergonha tremenda que custara muito ao rapaz para
ultrapassar. Mais de um ano depois, achava que esse assunto tinha sido
esquecido pelos amigos.
Sabendo
da condição de vida difícil do rapaz, os pais de alguns amigos davam-lhe comida
para o lanche através dos filhos, que faziam o teatro de que os pais tinham
posto uma sandes ou fruta a mais e perguntavam-lhe se ele não se importava de
os ajudar a despachar o lanche.
O
rapaz, apesar de perceber o que se passava, aceitava, claro. Não se podia dar
ao luxo de rejeitar comida. Não quando havia dias que nem sequer uma simples
maçã levava para a escola.
Nesse
dia, chegou a casa e foi surpreendido pela presença do pai.
Continua...
3 comentários
Vivências difíceis, que nenhuma criança deveria de passar. Um pormenor, o sítio, a zona, a localização em que esta realidade é demonstrada, não deveria de ser especificada? Há casos destes em áreas desfavorecidas mas também em áreas mais adequadas á vida atual.
ResponderEliminarTratando-se de um conto, a zona não é importante especificar. Fica a cargo do imaginário de cada um. Se fosse num livro, talvez o fizesse, mas assim achei que não era relevante. Obrigado pelo comentário!
EliminarTriste realidade
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