by - 06 novembro



“HOJE VOU MORRER” - PARTE 2/5

Senti-me sozinha quando me apercebi de que a minha família me deixara de falar pela minha intransigência em emprestar-lhes dinheiro. Chamaram-me de cabra egoísta, disseram que devia morrer sozinha, disseram que eu odiava a minha família… Enfim, fui torturada psicologicamente. Mas nunca mais lhes emprestei dinheiro. Isso foi certo. Quem ficou a apoiar-me foi a minha mãe e o meu irmão. O meu pai, coitado, não desfrutou muito tempo desta vida.
Será que vou ter com ele depois de morrer? Será que o vou encontrar seja em que sítio for e vou poder desfrutar da sua companhia novamente? Tenho saudades dele. Gostava muito que isso acontecesse. O meu pai, pelo menos, sempre fora uma alma compreensiva. Tenho a certeza de que me teria apoiado contra os interesseiros.
Já disse que odeio pessoas egoístas e que dão passos maiores que a perna?
Pois bem, o meu ex-marido era uma dessas pessoas. Mas não quando o conheci. Tínhamos um cargo semelhante no Banco, por isso o nosso vencimento não diferia nada. Eu ganhava um pouco menos por ser mulher, mas em Portugal isso ainda é hábito. Infelizmente, não vou estar cá para ver as coisas mudarem.
Conheci o meu marido numa dessas reuniões que temos mensalmente, quando ele mudou de sucursal do Sul do país para Lisboa. Assim que pus os olhos nele fiquei ligeiramente corada e com calores. Tinha trinta e poucos anos, conheci-o há doze anos mais ou menos. Isto de ver o rio cada vez mais perto faz-me ficar ligeiramente confusa nos detalhes. Ele foi extremamente galante e, inicialmente, apenas trocávamos olhares tímidos. Tímidos, mas claramente luxuriantes. Eu sempre tive uma boa figura, tenho uns seios respeitáveis, um ventre liso e umas nádegas bem tonificadas. Mas ele… ele era um deus grego. Sorriso branco, cabelo curto sempre perfeitamente penteado, uns ombros largos, barba rala aparada, uns braços grossos e fortes e, imaginava eu, uns abdominais esculpidos no abdómen. Mais tarde viria a comprovar que era verdade. Uns dias depois, combinámos com o pessoal do Banco beber uns copos no Bairro Alto, numa sexta-feira à noite, como tanta gente faz. Nessa noite fizemos amor duas vezes antes de chegarmos a casa. Uma foi na casa de banho do bar e outra no carro.
Bons tempos. Quando chegámos a casa dele estávamos tão cansados que adormecemos um ao lado do outro. De manhã, retomámos o exercício físico em conjunto. Arrepio-me só de pensar quando o cavalgava e apoiava as minhas mãos no seu peito musculado e via os seus abdominais mexerem com o esforço. Ou será que me estou a arrepiar pelo frio que faz por estar a cair a esta velocidade rumo ao negrume do rio?
Passámos vários meses nisto, fazíamos sexo em casa dele, depois na minha, às vezes nos carros, uma vez num parque público de noite, até que decidimos revelar a nossa relação perante todos. E assim fizemos.
Estava muito feliz, namorava com um homem esculpido nos meus sonhos e que era, acima de tudo, extremamente carinhoso e afectuoso. E não pensava só nele. Se eu ainda não tivesse chegado ao destino quando fazíamos amor, ele ajudava-me a chegar lá. O importante, dizia ele, era chegarmos ao mesmo destino, ainda que não fosse ao mesmo tempo. Oferecia-me flores com regularidade e mandava-me mensagens bonitas constantemente. Era um autêntico cavalheiro.
Num acto de loucura, casámo-nos sete meses depois. Convidámos apenas a família mais chegada (estava de relações cortadas com o resto da família por causa do dinheiro, lembram-se?) e uns amigos do Banco. Viajámos e vivemos imenso durante três anos, até que comecei a dizer que, se queríamos ter filhos, tínhamos de nos despachar porque já começava a chegar àquela idade em que as gravidezes são perigosas.
Ele disse que sim, que estava na altura de termos um filho. Aliás, ele até disse que devíamos ter logo dois seguidos para despachar antes que fosse tarde demais.
Como devem imaginar, com trinta e cinco anos, achei maravilhosa a vontade dele em ter filhos comigo e constituir família. Tínhamos uma boa casa no Restelo, estávamos a tentar ter filhos e ninguém me aborrecia com assuntos de dinheiro. A minha vida não podia ser melhor.
Ou estaria a viver uma ilusão?
Continua...

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3 comentários

  1. Bem, perante um cenário de vida quase perfeita (familiar e profissional), a curiosidade aguça-se quanto ao motivo para a mulher se suicidar!... Adoro a maneira como escreves, muito próxima do leitor, como se ela estivesse de facto a falar connosco.
    Sei que não é ilusão e que amanhã teremos mais desenvolvimentos!... Beijinhos

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    1. Obrigado pelas palavras, Alda. Realmente, é mesmo como se ela estivesse a falar connosco. Amanhã há mais!

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  2. Tão perfeita, tão perfeita que alguma coisa na vida dela deu bronca! Avancemos...

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