by - 09 novembro




“HOJE VOU MORRER” - PARTE 5/5

Senti-me no fundo de um poço, um poço com centenas e centenas de metros. Senti-me sem escapatória. Senti-me perdida, sem vida. A ideia do suicídio passou-me pela mente com maior frequência. Mas teria a coragem de terminar com esta minha existência? Teria força para desaparecer de vez?
A pergunta que mais me colocava era: havia algo que me agarrasse a esta vida?
Para mal dos meus pecados, a minha mãe morreu uma semana depois de eu fazer quarenta e quatro anos. O meu irmão tinha emigrado para França para seguir o seu sonho de carreira numa Engenharia qualquer. Obviamente que ele veio ao funeral e ficou cá alguns dias, mas a vida dele chamava-o com uma intensidade que o levou de mim sem eu dar por ela. A vida continua, não é verdade? A minha é que não.
Senti-me sozinha, abatida, uma ameixa seca que nunca iria ter filhos.
Entrei numa depressão mais profunda após a morte da minha mãe e não tinha ninguém para me apoiar.
Hoje, vi no Facebook que o meu ex-marido se tinha casado novamente com uma mulher lindíssima, dez anos mais nova que ele. Provavelmente, ia ser enganada como eu fui. Mas aqueles rostos felizes e todos os comentários das pessoas com quem trabalhei um dia deixaram-me ainda pior. Ver pessoas que, antigamente, me elogiavam a forma física e até invejavam a minha beleza, agora elogiavam a nova mulher dele, como se eu tivesse deixado de existir, como se aquele sacana não tivesse uma ex-mulher. Bebi uma garrafa de whisky como quem bebe uma garrafa de água após uma corrida exigente sob imenso calor.
Frustrada, abatida, desesperada.
Quem me dera ter percebido os sinais mais cedo. Quem me dera ter falado com o meu marido sobre os meus receios. Talvez ele me tivesse revelado mais cedo que tinha feito a operação e podíamos adoptar uma criança, caso ele estivesse arrependido. Ou então nunca teríamos evoluído na relação.
Mas não. Limitei-me a guardar tudo para mim, achando que eram coisas da minha cabeça. Todas as minhas inseguranças, guardei-as para mim.
A minha vida podia ser completamente diferente se a nossa comunicação tivesse sido boa. Porque a comunicação é a base de qualquer relação. Disso não tenho dúvidas. Uma boa comunicação podia ter evitado que ele me traísse. Podia ter evitado que o apanhasse enrolado com outra mulher. Podia ter evitado que descobrisse daquela forma que ele tinha feito uma vasectomia. Podia ter evitado um divórcio tão feio e mau. Podia ter evitado as minhas más escolhas que se seguiram, tanto em homens, como no álcool. Podia ter evitado que estivesse sozinha para encarar a morte da minha mãe. Podia evitar que não tivesse ninguém para onde me virar quando entrei numa depressão profunda.
Podia ter evitado que, hoje, eu fosse morrer.
Será que o meu ex-marido iria ficar com remorsos, sabendo que me suicidei três anos depois do nosso divórcio, precisamente no dia do casamento dele com outra mulher?
Será que a minha família que me afastara por recusar emprestar dinheiro, iria ter pena de mim e arrependimento por me terem abandonado?
Eram estas perguntas que ocupavam a minha mente no final, quando estava a meros metros da morte. Quando a única coisa que via era o negrume das águas que passavam por baixo da Ponte 25 de Abril.
Pensei que era uma mulher diferente, mas acabei por cair nas armadilhas da vida como uma qualquer. Gostava de dizer que eu era a última, que mais ninguém iria cair no mesmo erro que eu, mas sei que isso é impossível. Quando se ama alguém temos tendência para fazer vista grossa aos sinais. Achamos que connosco não acontecem coisas destas.
Mas acontecem.
Se pudesse dar um conselho a qualquer pessoa?
Diria para comunicarem mais. Por algum motivo temos um vocabulário tão abastado, tão variado e grandioso. Por algum motivo evoluímos tanto quando começámos a comunicar como deve ser, há milhares de anos. O nosso vasto vocabulário foi criado para o usarmos. E mais vale usarmos em demasia do que não o usarmos o suficiente.
A comunicação é a base de todas as relações. A comunicação é a base para manter qualquer relação viva. Quantas relações não teriam sido salvas se as pessoas comunicassem como deve ser entre si? A comunicação é essencial para o ser humano.
Sinto o abraço da morte cada vez mais perto. A minha tristeza está prestes a terminar.
Uma boa comunicação podia ter evitado que eu morresse hoje.

FIM.

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5 comentários

  1. História de vida igual a tantas. Infelizmente, e tão verdade, quando falha a comunicação entre as pessoas, falha tudo.
    Gosto destes teus contos, da forma como os escreves e descreves as situações. Em determinadas situações de leitura, consegues transportar o leitor para a história/momento.
    Fico à espera do próximo :)

    Beijinhos Bruno

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    1. Obrigado, Alda. Fico muito contente por teres gostado. Dá-me mais alento para continuar nesta aventura dos contos. Beijinhos e obrigado!

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  2. Isso é real.Mas, que cara sacana!😡

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