by - 05 novembro





“HOJE VOU MORRER” - PARTE 1/5

Hoje vou morrer.
Chamo-me… sinceramente, não me parece relevante. Vou morrer hoje, por que raio querem saber o meu nome? Basta dizer que sou uma mulher com quarenta e quatro anos feitos há um par de meses.
Como sei que vou morrer, perguntam vocês?
É simples. Estou a cair. Sim, estou em queda livre, sem nada que me proteja da morte.
Onde estou? De um lado vejo Almada, com o seu enorme e lindo Cristo Rei de braços abertos. Do outro, vejo a magnífica capital portuguesa em todo o seu esplendor luminoso e a palpitar de vida. Por cima de mim, a Ponte 25 de Abril. Por baixo… a morte. Que é para onde me encaminho.
Dizem que quando estamos prestes a morrer vemos a nossa vida a passar em frente dos olhos. Talvez seja isso que me está a acontecer agora. Estou a cair rumo ao rio Tejo, uma queda fatal de centenas de metros. Caindo desta altura, o meu corpo vai embater na água como se esta se tratasse de cimento ou alcatrão. O meu corpo ficará desfeito. Com sorte, morrerei instantaneamente.
Como tive coragem de saltar da ponte nesta noite de Verão tão bonita?
O meu fim começou quando conheci o meu ex-marido. Quando conheci, não. Quando aceitei conhecê-lo a sério. Nós conhecemo-nos numa reunião no Banco onde trabalhava. Sim, eu até tinha um emprego respeitável e bem pago, se bem que todos os empregos são respeitáveis, obviamente. Eu apenas trabalhava numa instituição financeira e tinha um cargo importante. Menos um motivo para estar prestes a morrer de suicídio, eu sei. Não acham que pensei nisso já? Quem dera a muita gente ganhar o que eu ganhava. Não é qualquer um que poderia comprar um carro topo de gama a pronto todos os anos.
Mas a verdade, e isto pode parecer cliché, é que o dinheiro não traz felicidade. Dizem isso as pessoas com menos dinheiro para se sentirem mais reconfortadas com o pouco que recebem e para terem algum desdém pelos ricos. E dizem-no os ricos para tentarem parecer humildes e parecer que não ligam ao dinheiro. O dinheiro pode comprar muita coisa que nos traz felicidade, mas a felicidade pura não nos traz. Muitas vezes, o que o dinheiro faz é separar famílias quando estas têm elementos gananciosos e egoístas. Infelizmente, a minha família é assim.
Vendo a pequena fortuna que eu estava a acumular nos últimos dez anos, quando ainda tinha pouco mais de trinta, muitos foram os pedidos de primos, sobrinhos, irmãos e tios, alguns que eu nem sequer conhecia, para que eu lhes emprestasse dinheiro. Quando lhes perguntava para que o precisavam, diziam que era para terem umas férias demasiado dispendiosas noutros continentes, ou para comprarem uma prenda para outro familiar. Diziam todos que me pagariam em mensalidades, mas com o benefício de não terem de pagar juros.
Ora, eu trabalhava num Banco. Os juros eram o que me deram a vida que tinha. E a minha família estava a querer fazer de mim um Banco que lhes emprestasse dinheiro para todos os luxos que eles ambicionavam ter mas que não teriam condições de sustentar, com a benesse de, no final do pagamento, não pagarem um cêntimo a mais. Inicialmente, aceitei alguns empréstimos, mas comecei a fartar-me quando começaram a falhar os pagamentos e, depois, lá tinha de ir a chatinha cobrar o dinheiro e acabava sempre por ser a má da fita por andar a “pedinchar” dinheiro à minha família. Mas eu não queria saber disso. Acordos eram acordos. E eu sou muito cumpridora. Sempre fui.
No entanto, foi aí que começou a alienação da minha família. Só aí percebi que era muito acarinhada por todos apenas pelo dinheiro que tinha na conta. Como as pessoas podiam ser interesseiras, já viram? Também têm familiares ou amigos assim? Quantas discussões não tive com familiares por ter rejeitado emprestar dinheiro, afirmando que não queria mais envolver família e negócios?
Seria eu assim tão estranha ao ponto de querer separar estas duas partes? Tenho a certeza que não. Foi por isso que mantive a minha posição e nunca mais a alterei, indiferente ao que pensavam e diziam de mim nas minhas costas.
Mal sabia eu que esta atitude me iria custar tão caro…

Continua...

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8 comentários

  1. O que te posso dizer?!... Impressionante e intrigante forma de começar. Tens noção que vou/vamos ficar em "pulgas" que chegue rápido o dia de amanhã!...

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    1. Ainda bem que gostaste, Alda. Tenho tentado fazer coisas diferentes com estes contos para variar um pouco em relação ao que faço na escrita dos livros. Também quero que amanhã chegue rápido!

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  2. Como é que sei que estou a morrer?... Estou a cair... Já fiquei curiosa, para ver o que levou a menina/senhora até ali - à queda! Boa continuação.

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    1. Amanhã ficaremos a saber mais sobre a sua motivação. Espero que dê que pensar. Obrigado!

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